A ciência por trás do supositório

O MM já fez 2 meses e lá foi levar mais 2 'picas'. Não presenciei o acto, mas a necessidade de colocar um supositório para o rapaz dormir sem dores, recordou-me um mini-conflito que tive com a uma enfermeira do Centro de Saúde. Numa das vezes que levei o JM às vacinas, pedi um supositório de paracetamol, para prevenir a dor do pequeno. Entre choro e esperneanço, a Sra Enfermeira enchía-me os ouvidos com uma data de conselhos sobre como pegar no rapaz, como o colocar a arrotar, como o vestir, etc, Sabia que eu era cirurgião pediátrico? Sim. Ainda assim, tinha aquela autoridade moral que a idade traz e, como haveria de verificar, a ciência não confirma. Acenava pacientemente que sim, porque queria era ir-me embora dali. Mas, como dizia, pedia um supositório de Ben-U-Ron. Pergunta: «sabe colocar um supositório?» Eu: «(WTF?!) Qual a ciência?»

O que se seguiu é indigno para o rapaz, pelo que não entrarei em pormenores. Digo-vos apenas que a Sra. Enfermeira entendeu (e queria fazer escola) que a porção mais larga do supositório deveria entrar mais cedo que a parte fina. A parte larga, cortante, que os comuns dos mortais entendem como sendo o final do 'foguete' deveria ser a primeira parte a forçar o esfíncter anal da criança. Incrédulo e vencido pelo cansaço, nem discuti. Cheguei a casa e fui para a Internet. Encontrei a teoria da introdução invertida do supositório, inclusivamente, defendida por outros enfermeiros. Mas, porque raio as farmacêuticas continuavam fabricar os supositórios tal como os conhecemos? Parte fina e de ponta lisa para a frente que vai ficando mais larga, de forma abrir delicadamente o ânus, seguido de uma diminuição do diâmetro até até um corte súbito. Fui à literatura científica e desfiz o mito.

«Historically suppositories were inserted pointed end first but the publication of one study (Abd-El-Maeboud et al, 1991) changed nursing practice overnight. The authors suggested retention is more easily achieved if suppositories are inserted blunt end first because the squeezing action of the anal sphincter against the apex pushes (sucks) them into the rectum. (...) However, there has been a lack of critical appraisal of this research, which has never been replicated and has the limitations inherent with any small study. The research analysis used simple descriptive statistics, which further brings into question the validity and robustness of the research and the conclusions drawn. (...)In the absence of conclusive evidence to recommend one particular method of suppository insertion, it seems that a common-sense approach is required (Bradshaw and Price, 2006).»

Conclusão: houve gente que acreditou que a porção fina virada para baixo ajudaria a que o supositório fosse mais facilmente 'empurrado' para cima pelo próprio esfíncter anal. Eventualmente faria sentido, quando era o próprio a colocar. De qualquer forma, essa hipótese nunca foi provada, pelo que deve imperar o bom senso. E, para mim, bom senso parece ser colocá-lo como o fabricante preconiza, isto é, como mostra a figura.

[fonte: drugs.com]

A história acabou por aqui, porque, apesar de me ter a acompanhado de uma cópia do artigo a cada visita ao Centro de Saúde, para esfregar na cara da Sra. Enfermeira e vingar o rabiosque do JM. A senhora deve ter-se reformado e nunca mais nos cruzámos. De qualquer forma, julgo que este episódio deu origem à vontade de ter um blogue deste estilo. Se mais nada de útil tirei daquela vista ao Centro de Saúde, pelo menos isto lhe devo.

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